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sexta-feira, 6 de abril de 2012

Dramas de família


O sofrimento dos pais de jovens de classe média que se envolvem com o tráfico


"Fiz tudo o que estava ao meu alcance"


"Tenho três filhos e todos se envolveram com drogas. Os mais novos estão em recuperação. O mais velho está na cadeia há três anos. Ele começou fumando maconha, aos 13 anos. Cinco anos depois, foi preso pela primeira vez. Passei anos me perguntando onde foi que eu errei. Hoje, graças ao Nar-Anon, um grupo de ajuda aos familiares de dependentes químicos, percebi que fiz tudo o que estava ao meu alcance para dar uma vida boa a eles. Estudaram nos melhores colégios, tinham conforto em casa. A decisão de usar drogas foi deles. Nenhuma mãe consegue vigiar o filho durante 24 horas. Ele pode colocar cocaína embaixo da unha e cheirar na sua frente que você nem vai saber! O F. está preso por tráfico e não vou ser boba de dizer que ele nunca vendeu na minha casa. Quem garante que aqueles amigos que apareciam lá não iam para comprar? Fico preocupada com o que ele vai fazer depois da cadeia. Das outras vezes, voltou a se drogar porque não arrumou emprego. E ainda saiu com mais contatos para conseguir droga."
D.T., 67 anos, dona-de-casa, mãe de F., 45 anos, condenado a onze anos de prisão por tráfico.
Ainda não eram 7 horas da manhã. O latido insistente do cachorro, um robusto weimaraner, despertou a família. No portão da casa, numa rua tranqüila do Humaitá, quatro policiais da Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) exibem um mandado de prisão em nome de Pedro Paulo Farias David, 23 anos. Para a família, um jovem carinhoso que todas as semanas levava a avó ao médico e acabara de entrar na faculdade de design gráfico. Para a polícia, integrante de uma das principais quadrilhas de traficantes de classe média alta do Rio, que vendia drogas em festas, boates, universidades, academias e ruas da Zona Sul. "A vida parou ali", descreve o advogado Paulo Roberto David, 57 anos. "É uma dor imensa ver seu filho, que você acredita ser no máximo usuário, tachado de traficante." Pedro Paulo não estava em casa. Já havia saído rumo à faculdade, onde foi preso horas mais tarde, dentro da sala de aula. No mesmo dia, mais oito jovens com perfil socioeconômico semelhante foram presos, acusados de vender drogas sintéticas, como ecstasy e LSD, além de maconha, haxixe e skank. Não foram casos isolados. Em três anos, pelo menos setenta rapazes e moças cheios de oportunidades na vida, que praticavam esportes, estudavam, dominavam a internet e, à primeira vista, não despertavam suspeita viram a polícia do Rio bater a sua porta.
"Descobri que minha filha vendia drogas aos 16 anos, quando encontrei maconha na sua bolsa. Eles não se acham traficantes. É passador, qualquer nome, menos traficante. A gente também minimiza, bota uns óculos cor-de-rosa na história. Ela fez tratamento e chegou a parar com tudo. Mas agora, na faculdade, está vendendo cocaína e ecstasy com o namorado. Freqüenta uma clínica para dependentes, mas tenho medo de que seja presa ou morta por traficantes." (L., 43 anos, empresária, moradora de Ipanema, mãe de S., 21.)

Operação Octógono: jovens da Zona Sul presos por vender drogas
Só neste ano, a Polícia Federal apreendeu cerca de 160 000 comprimidos de ecstasy, número oito vezes maior do que em 2006. "Junto com o aumento do ecstasy no país tem crescido o tráfico na classe média", afirma o delegado Victor César Carvalho dos Santos, chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da PF, no Rio. "Eles são atraídos pela falsa sensação de impunidade", diz a delegada titular da DCOD, Patrícia de Paiva Aguiar. "Como não andam armados nem participam de ações violentas, não se vêem cometendo crime igual ao traficante do morro." Durante a Operação Octógono, que resultou na prisão dos nove jovens da Zona Sul em 8 de novembro, 16 000 ligações telefônicas foram grampeadas. Sete dias antes, outros cinco moradores da Barra, Recreio e Jacarepaguá haviam sido presos sob a acusação de traficar drogas sintéticas. Três deles tinham participado, na semana anterior, da festa rave de Itaboraí (Região Metropolitana) em que o estudante Lucas Maiorano, 17 anos, morreu e dezoito pessoas foram hospitalizadas com intoxicação por drogas.
"O choque foi generalizado"

 Gilda Sobral Pinto

João Guilherme Estrella


"O telefone tocou na minha casa numa segunda-feira, por volta das 23 horas. Do outro lado da linha era o João Guilherme pedindo um advogado porque tinha sido preso em flagrante com 6 quilos de cocaína e acusado de tráfico internacional. O choque foi generalizado. A família não tinha noção da sua vida sem limites, das festas intermináveis, das drogas em abundância, das viagens à Europa... Para a gente ele tinha parado na maconha e na adolescência. Nunca vi uma pessoa chorar do jeito que a mãe dele chorou quando soube da prisão. Acho que ele foi por esse caminho pelo desejo de aventura, mas era um rebelde contra nada. Teve uma infância alegre e estruturada. Após a morte do pai, de câncer, resolveu seguir um de seus lemas: ser feliz a qualquer custo. Como psicóloga, fiz um laudo para ser anexado ao processo. Eu o descrevi como um adolescente de 35 anos, idade que tinha na época. A sua salvação foi a sentença da juíza, que percebeu que era um dependente, recuperável, e, se ficasse muito na cadeia, corria o risco de virar um marginal."
Gilda Sobral Pinto, 70 anos, tia de João Guilherme Estrella, 46. Nos anos 90, o jovem da elite carioca se transformou no barão da cocaína da Zona Sul. Sua história inspirou o livro Meu Nome Não É Johnny, que foi adaptado para o cinema e chega às telas em janeiro.
"As operações mostram que esses traficantes comercializam pontualmente maconha e cocaína e, com intensidade, drogas sintéticas", conta Gilberto Ribeiro, chefe da Polícia Civil. É um negócio movido, sobretudo, a bala (nome pelo qual o ecstasy é conhecido). Em festas rave, os playboys do tráfico, como são chamados pela polícia, vendem por preços entre 25 e 50 reais cada comprimido adquirido de fornecedores por valores que variam de 10 a 15 reais.
"A gente nunca espera que um filho criado com todo carinho se envolva nisso. Sabia que ele usava maconha fazia dois anos. Tinha terminado os estudos, era percussionista. Há quatro meses tivemos uma conversa séria e ele disse que havia deixado a droga. Veio a prisão. Não dá para ficar 24 horas atrás de um filho." (Luiz Gama, 50 anos, funcionário público, morador de Copacabana, pai de Thiago Gama, 24 anos, preso na Operação Octógono).
O tráfico no asfalto é visto como uma ação entre amigos. "Todo mundo sabe quem fornece, mas os envolvidos não se vêem como traficantes", observa o delegado Carvalho dos Santos, que em 2006 prendeu doze jovens da elite carioca na Operação Tsunami. "Eles não chamam a atenção da polícia", completa Giovanni Quaglia, representante do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime no Brasil. No caso do ecstasy, a falsa idéia de droga limpa – não está associada à violência, não tem cheiro e é fácil de esconder (lembra uma aspirina e pesa cerca de 250 miligramas) – alavanca as estatísticas. De acordo com o relatório da ONU, divulgado em junho, o Brasil é o país que mais consome anfetaminas e ecstasy no Cone Sul (Chile, Paraguai, Uruguai e Argentina). Calcula-se que 0,9% da população entre 15 e 64 anos use esses entorpecentes, o equivalente a 1 milhão de pessoas. "Já atingiu o consumo da cocaína, perdendo só para a maconha", frisa Quaglia. "Não dá para negar que as drogas fazem parte do amadurecimento e que uns experimentam e outros se entregam", pondera o cineasta Marcos Prado, que produziu Tropa de Elite e se prepara para dirigir Paraísos Artificiais, sobre drogas sintéticas. Em janeiro, chega às telas outro filme que aborda as drogas longe dos morros. Meu Nome Não É Johnny, dirigido por Mauro Lima e inspirado no livro homônimo de Guilherme Fiuza, conta a história real de um jovem da classe média que chegou à elite do tráfico.
"Penso em ser presa para ficar perto dele"


"Este vai ser o segundo Natal que passo longe do meu filho. Minha vida virou um inferno: entrei em depressão e emagreci 25 quilos. Cheguei a pensar que a única solução seria pular da janela. Só não cometi essa loucura porque sei que ele precisa de mim. Eu sempre soube que ele se drogava, mas nunca achei que maconha fosse uma coisa do outro mundo. Eu mesma fumava na adolescência. Então, por que a hipocrisia? Mas também dei limites. Durante a semana, por exemplo, era proibido porque maconha atrapalha os estudos. O R. está tão traumatizado que disse que nunca mais quer ver um baseado! Hoje, estou melhor, mas ainda sofro bastante. Quando vejo uma paisagem bonita, fico com o coração doendo porque ele não pode apreciá-la. Se provo uma comida gostosa, a consciência pesa porque ele não tem esse privilégio. Tenho pensado em fazer algo para ser presa. Quem sabe assim fico perto dele?."
M.G, 53 anos, funcionária pública, mãe de R., 30 anos, preso na Operação Tsunami e acusado de fazer parte da maior quadrilha de traficantes de drogas sintéticas do Rio. Foi condenado a dezesseis anos de prisão.
"Experimentei maconha aos 14 anos. Depois vieram os ácidos, a cocaína. Segui movido pela curiosidade. Virou inconseqüência. Deixei para trás a faculdade, a música. Cheguei a ter em mãos 15 quilos de pó. Nas viagens à Europa, recebia até 150 000 dólares em espécie. Torrava tudo. Fui preso aos 35 anos. Amadureci, sobrevivi, mudei. Levei vinte anos usando drogas e descobri que a maior viagem é a lucidez." (João Guilherme Estrella, 46 anos, cantor e produtor musical, que inspirou Meu Nome Não É Johnny. Condenado por tráfico, passou dois anos num manicômio judiciário).
A sedução do lucro fácil, o fascínio pelo risco, a sensação de ser o centro das atenções. São muitos os motivos para embarcar nas drogas e seguir viagem no tráfico. "Vários usuários traficam para bancar o próprio vício", atesta a psiquiatra Analice Gigliotti, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas. "Mudam as companhias, cai o interesse pelos estudos, o celular não pára de tocar." A família tem papel fundamental para evitar o envolvimento com o tráfico. "Deveria ocupar o tempo dos filhos, impor limites", diz a psicóloga Selene Franco, que trabalha com dependentes. Para a psiquiatra Maria Thereza de Aquino, presidente do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), os jovens de hoje têm características especiais. "Vivemos a época do consumo, da opulência e do imediatismo", comenta. "É preciso dialogar com os filhos, mas não de forma moralista ou os amedrontando."
"Meu marido quase teve um infarto quando soube da dimensão do problema em que nosso filho tinha se metido. A cabeça deu um nó, o mundo desabou. Nunca esperávamos que aquele garoto bonito e estudioso fizesse uma coisa daquelas. O tempo passa, mas a ferida não fecha." (V., 50 anos, moradora do Recreio, mãe de C., 23 anos, preso em 2005 com 33 000 comprimidos de ecstasy, uma das maiores apreensões do país. Pegou quatro anos de prisão, convertidos em pena alternativa.)
"Preciso de ajuda para secar minhas lágrimas"

"Vivo um velório sem cadáver. Converso, choro, os dias passam, mas a sensação continua. Meu filho é estudioso, levava a avó ao médico, é amoroso. Não teria tempo para ser traficante. Em setembro, eu o flagrei fumando maconha na varanda. A mãe já sabia e me escondia. Fui atrás de filmes como Carandiru e Notícias de uma Guerra Particular. Vimos e choramos juntos. Prometeu que não usaria mais. Um mês depois foi preso. Aparece em uma gravação da polícia comprando droga e dizendo que era para um amigo. Ele me garantiu que falou isso só para abaixar o preço. Sou advogado criminalista. Defendi os filhos de muitas mães. O que eu peço a Deus agora é que, da mesma forma que ajudei a enxugar as lágrimas de tanta gente, alguém ajude a secar as minhas. Não tenho condições emocionais de defender meu filho. Nunca havia tomado calmante na vida. Agora tomo. O que vou fazer? O que eu faço desde que o meu filho nasceu: estar ao lado dele." Paulo Roberto David, 57 anos, pai de Pedro Paulo Farias David, 23, preso pela Operação Octógono dentro da sala de aula, na Universidade Estácio de Sá, no Centro.
Hoje seria diferente. A lei antidrogas, alterada em 2006, se tornou mais branda para o usuário – penaliza com a prestação de trabalhos comunitários –, mas endureceu para o traficante. "O delito de tráfico não pode mais ser convertido em pena alternativa", explica o criminalista Patrick Berriel. A pena para o tráfico de drogas é de cinco a quinze anos de reclusão. "Não acho que cadeia resolva, a questão principal é a prevenção", ressalta Kátia Tavares, vice-presidente do Instituto dos Advogados do Brasil.
"Não tem coisa pior para um pai do que ver seu filho morto ou na prisão. O meu foi preso, acusado de integrar uma quadrilha de drogas sintéticas. Era usuário de maconha e ecstasy. Passou por vários presídios, junto da pior escória. Todo dia eu rezava para agradecer o fato de ele não ter sido morto na noite anterior. Quando foi solto, decidi tirá-lo do Rio. Num sistema falido, as ofertas ilícitas não têm fim." (P., 45 anos, pai de L., 22, preso em Niterói em 2005 e absolvido em segunda instância, após dois anos na cadeia).
Jovens, festas, música eletrônica. A combinação, associada ao ecstasy – normalmente vindo da Holanda –, pode ser bombástica. "Existem indícios de que a droga também seja produzida aqui", diz o inspetor Ricardo Di Donato, da DCOD. O ecstasy é uma metanfetamina, estimulante do sistema nervoso central. Fabricado pela primeira vez em 1914, já foi usado como moderador de apetite. A droga causa sensação de euforia, acelera batimentos cardíacos, eleva a temperatura e desidrata o organismo. "Esses jovens acham que não estão cometendo crime algum, que só facilitam a vida dos amigos vendendo drogas", afirma Silvana Maiorano, mãe do estudante Lucas, que morreu na rave de Itaboraí, no fim de outubro. "Por causa disso, perdi meu filho no auge da vida."

"É muito sofrimento ver o filho algemado"


"Uma pergunta não sai da minha cabeça. Por que o meu filho entrou nessa história? Foi um choque, chorei muito, passei uma semana fora do ar. É muito sofrimento para uma mãe ver a polícia bater na sua porta, tirar seu filho da cama gritando ‘Acorda, playboy’ e vê-lo sair algemado. Sempre fomos amigos, conversávamos sobre tudo, inclusive sobre os riscos das drogas. Nunca passou pela minha cabeça sequer que ele usasse. É um menino educado, tranqüilo, cheio de sonhos. Estava terminando o ensino médio, suas notas eram boas, adorava surfar. Há um ano ele começou a freqüentar essas festas rave. Nunca notei nada diferente no seu comportamento. Trabalho muito, mas estava sempre ligando para casa, sabia aonde meu filho ia. Não entendo por que ele se envolveu com essas coisas e chegou a guardar droga em casa. Se eu não tivesse visto os comprimidos de ecstasy na mão do delegado, encontrados na mesinha do seu computador, acharia que era mentira."
M., 39 anos, guia de turismo, mãe de Samuel Carvalho de Oliveira, 21 anos, acusado de fazer parte de uma quadrilha que negociava ecstasy em raves. Foi preso no dia 1º de novembro.
 
"Meu filho é o 21º no corredor da morte"


"Assisti no Jornal Nacional ao juiz condenar meu filho à morte, do outro lado do mundo. Não dormi durante noites. Aquela cena nunca mais saiu da minha cabeça. A vida ruiu. Em quatro anos, engordei 20 quilos. Fico vendo esses jovens presos por tráfico e imaginando que vão padecer em cadeias horrorosas. Marco está numa prisão na Ilha de Java onde não é tratado como bicho, tem quadra de tênis, campo de futebol e academia de ginástica. Mas aquele jovem que amava voar não tem mais nenhuma esperança. É o 21º no corredor da morte. O primeiro pedido de clemência foi negado. O segundo e último, que pode livrá-lo do fuzilamento, será feito pelo governo brasileiro nos próximos meses. Tento me manter otimista, mas nunca atenderam ao pedido de clemência de nenhum país. Não consigo compreender como ele entrou nessa. Ele nunca me deu trabalho, estudou nas melhores escolas do Rio, freqüentou a Hípica, o Country Club. Agora está envelhecido, sozinho. Como é longe e caro ir à Indonésia, só consigo visitá-lo uma vez por ano. Vou agora, para passar o Natal."
Carolina Archer, 68 anos, mãe do instrutor de vôo livre Marco Archer Cardoso Moreira, 45 anos, condenado à morte na Indonésia. Ele foi flagrado, em 2003, entrando no país com 13,4 quilos de cocaína em uma asa-delta.
 
Sinais de alerta
O que os pais devem observar no comportamento dos filhos:
Queda no rendimento e no interesse escolar.
Mudança de companhias, afastamento dos antigos amigos e da família.
De uma hora para outra aparece com dinheiro ou com algum objeto que não teria como comprar.
Alteração nos horários de sono.
Usa dois ou três aparelhos de telefone, que tocam sem parar.
Mudança de personalidade. Longos períodos de isolamento.
Mudança de peso. Aumento ou perda do apetite. Náusea, tosse crônica, frio constante.
Perda de concentração e de memória, pensamento lento, irritabilidade ou depressão.
Fonte: vejabrasil.abril.com.br

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